O amigo dos gatos
Fotografia: Museu Nacional da Imprensa
Por que os escritores gostam de gatos?
Nunca se saberá, mas arrisco o seguinte: a escrita exige o arco do ócio: leveza, lentidão, abstracção, desprendimento, isto é, que se seja gato. Sim, é verdade: quando o tempo do escritor coincide com o do gato, esse tempo adquire mais duração e qualidade. Se um dos meus três gatos irrompe no escritório, a atmosfera ganha novas vibrações e a sua presença silenciosa (escrever também é “não falar”, escolher o silêncio), que me deixa só mas, ao mesmo tempo, me acompanha, incita-me a fechar os olhos e a olhar para dentro, onde toda a obra nasce. Mais: os gatos têm elegância e plasticidade narrativa, estilo, poder de síntese, fluência, subtileza, tudo qualidades literárias de que os escritores tentam apropriar-se. Criaturas naturais, são também os médiuns que nos ligam ao ser e à sua essência, de que estão muito mais próximos. Precisamos deles, é o que é. Às vezes, interpelam-me candidatos a escritores, que pedem conselhos, orientação, e eu fico-me quase sempre pelo «Trate de arranjar um gato. Depois, logo vê».
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