Certa vez perguntei-lhe: «Porque tens tantos gatos?» Respondeu: «Eles é que me têm.» O Pina, o Manuel António Pina, gostava de gatos, talvez mais do que seria previsível, mas os gatos gostavam muito dele. Entravam-lhe em casa, saíam quando queriam; faziam companhia à sua solidão povoada de palavras e de sons antigos. Ele e os gatos são uma relação constituída por um modo peculiar de laços sociais. Hemingway também gostava de gatos; Colette só conseguia escrever com gatos junto a si, e acerca deles publicou textos lindíssimos. «Os Gatos» é uma colecção de crónicas, de Fialho D’almeida, do melhor que a Imprensa produziu para a literatura. O Pina apreciava nos gatos a soberba independência, não a independência soberba; e, creio, que os gatos apreciavam naquele homem de meã estatura, olho vivo mas triste, a grandeza que dele emanava. Isso mesmo: grandeza; e podem crer que ao gatos adivinham, pressentem, percebem quem a tem e quem a ignora. Pina sem gatos não faz sentido. E que será agora feito dos gatos do Pina, sem o Pina?