O amigo dos gatos
Fotografia: Jornal Notícias
Se os gatos falassem, teriam a voz macia do Manuel António Pina. Acho que ele a apurou do convívio, ao longo de décadas, com os seus bichanos.
Quem dominar o tema, o que não é o meu caso, que só tive dez gatos de uma vez , saberá que pode ser a preguiça o animal mais sedentário, mas o gato não lhe fica muito atrás. Casa onde ele entre passa a ser dele, baixando o dono à condição de mero servo ao seu dispor.
Quando mudámos de casa, os nossos gatos recusaram-se a acompanhar-nos. Forçados a isso, voltavam, secretamente, para a primitiva morada, inconformados com a injustiça do exílio. Nesta transumância, muitos se perderam, alguns foram morrendo atropelados, até não restar nenhum. Desistimos de ter gatos.
Assim sendo, não posso retratar-me com um gato ao colo nem eu o faria nunca. Ainda iam dizer que eu estava a imitar o Pina. Indiferente a estas minúcias, cada gato fotografado à beira do escritor comentará em voz de veludo azul: “ Que bem que me fica este humano de bigode sorridente!”.
Agora, na fraternia do além, o sorriso do Pina mais distendido pairará, para lá da cortina de fumo do seu cigarro infatigável.
Lisboa, 11 de Novembro de 2012-11-11
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